segunda-feira, setembro 01, 2008

Revelação

Sempre me disseram que minha cabeça era privilegiada, que dela sairiam intensas luzes, que estas aqueceriam o mundo quando por ele se espalhassem.

Nunca tive, porém, qualquer confiança nestas afirmações. Digo isso pois não me vejo diferente dos meus iguais. Tirando o fato de um ser mais gordo e outro mais magro, somos praticamente idênticos.

Minha existência foi comum, uma sucessão de pequenos dias e longas noites. Às vezes os dias e as noites pareciam variar em seu tamanho e eu acabava por perder a noção do tempo.
A única coisa que meus inúmeros dias tiveram como constante era a perda. Perda de um vizinho, de um conhecido e às vezes, de um grande amigo.

Em tais momentos eu me refugiava em minha infância, único e breve período de minha vida no qual eu não estava restrito a esta interminável e repetitiva sucessão de dias e noites. Período mágico que incutiu em mim todas as minhas qualidades.

Um dia, que parecia ser igual a outro qualquer, vi-me retirado de meu mundo e travei contato com realidades ásperas e até então desconhecidas.

Embora a dor de tal contato fosse imensa, logo percebi que finalmente, aqueles que me elogiaram estavam corretos. Reagindo a essas novas realidades minha cabeça se transformou em um turbilhão de luzes, que se espalhavam por mim de maneira caótica e incontrolada, em um espetáculo que finalmente dava sentido à toda minha até então desinteressante vida.

Com minha cabeça consumida por tais luzes, sacrifiquei o meu corpo para mantê-las e alimentá-las, tentando a todo custo irradiá-las por todo o mundo, querendo compartilhar o incomparável calor que todo aquele brilho me dava.

Meu único remorso foi não ter conseguido dedicar todo o meu ser a estas luzes e, ainda que me restasse combustível, ter visto elas se apagarem.

Tal remorso tornou-me enegrecido, torto, quebradiço. Ainda assim, saber-me imortalizado pelo calor que dei ao mundo já me basta. Sei muito bem que cumpri minhas obrigações como fósforo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma estrela incadescente no lugar da cabeça. Uma pedra de gelo no lugar do coração. Dedos macios, pontudos e penetrantes. Uma língua sedenta e sedosa. Simétrica combinação.

Gomide disse...

ainda bem que nao acreditastes no que te disseram