domingo, outubro 17, 2004

Doze, meus apóstolos.

Pois bem, hoje, falaremos de Eurico Rogério, terceiro filho dos pombinhos Lycarião.

Antes de mais nada, ressalte-se ser esse meu tio um dos personagens que desfruta das mais variadas opiniões dentro da família. Alguns o amam, outros o detestam, é tido como inteligente, e até mesmo como prepotente. Não fico surpreso quando vejo esse meu incrível tio despertar tantas reações. Afinal, para mim, ele é exatamente a encarnação perfeita do espírito Lycarião, tanto em qualidades como em defeitos.

Para podermos fazer uma esquadrinhação pertinente de tamanho paradoxo, farei uma análise concomitante de suas qualidades e de algum defeito correspondente.

Emocionalmente, Tio Eurico carrega uma imensa ligação com o passado da família, e se orgulha do mesmo, sendo preocupado com a tradição e história da família, o que também o faz ser daqueles que tenta preservá-la ao máximo. Ilustrando isso, devo dizer que fico impressionado quando o vejo falando sobre histórias da família, e fico especialmente admirado vendo-o vivenciar as fotografias dos velhos álbuns de Seu Lyca. Exatamente dessa ligação com o passado e essa busca de preservação, Tio Eurico acaba sendo um familiar frio para aqueles que ingressem na família, na típica atitude de um provinciano desconfiado de um forasteiro. Outro problema que essa busca traz, é que a mesma às vezes acaba por ter uma fúria desmedida, e, tendo a afobação de um bom Lycarião, ela pode se dirigir a algum membro da família que não a merecesse. Digo isso por já ter sido vítima da mesma, depois de uma briga que tive com meu primo Rodolfo. Acreditando piamente nas primeiras notícias que obteve, Tio Eurico convenceu-se logo de ser minha existência dedicada à destruição de minha adorada família. Fico feliz por não ter atentido eu mesmo o telefone aquele dia. Teria sido uma experiência traumática.


Intelectualmente, Tio Eurico carrega a sólida bagagem que tipifica um Lycarião autêntico. De um conhecimento não apenas teórico, mas também prático, esse meu tio é também dotado de uma incrível capacidade de argumentação e de um incrível respeito para uma discussão com uma pessoa de convicções diametralmente opostas. Devo dizer ser esse refinamento uma qualidade um tanto peculiar nele, dentre toda a família. Ao menos, essa foi minha experiência com ele. Sendo ele militar durante o regime de exceção que vigorou de 1964 a 1984, era de se esperar não ter ele muita simpatia por idéias ou personalidades comunistas. Assim, era de se esperar uma reação no mínimo agressiva por parte dele para comigo quando eu apareci ostentando o rosto do Che Guevara em uma camiseta que vestia. Foi surpreendente constatar ser ele o mais calmo e aberto a debate de todos os Lycariões, respeitando minha opinião, sempre combatendo-a, mas com um respeito infindo ! Novamente, a imperfeição que Tio Eurico aqui externa é natural do nome Lycarião. Tem uma cultura sólida e respeitosa, mas um tanto conservadora e eu diria, que até mesmo conformista. Também, quando ele já não tem seu interlocutor em muita boa conta, ele não terá a mínima piedade e simplesmente o demolirá. Lycariões não são famosos por sua paciência.

Historicamente, é um personagem e tanto. Sendo o varão da família que realmente enveredou totalmente pelos caminhos de seu pai, ele se tornou piloto da FAB, e dificilmente consigo pensar em um militar com mais qualidades que ele. Como típico Lycarião, hierarquia e obediência para ele nunca foram problemas, mas até mesmo normas de conduta na vida, o que em muito ajudou sua experiência na caserna. Ao meu ver, tem um dos casamentos mais estáveis de toda a família, sendo que é casado justamente com minha Madrinha, minha querida Tia Mercês, mulher sempre fina e de um trato delicadíssimo. Não sei se felizmente ou infelizmente, mas historicamente Tio Eurico não nos apresenta um defeito, mas sofre uma mácula que costuma atormentar os Lycariões. Mesmo sendo um excelente militar, não teve sua promoção para Brigadeiro na FAB. Tendo aposentado-se como Coronel portanto. Golpes como esse são comuns na família Lycarião. A vida costuma conspirar para lhes dar um injusto golpe no momento mais vil e nas coisas mais cruciais.

No dia a dia, é o típico Lycarião mais do que em qualquer situação. Calmo e pacato, um tanto distante, mas sempre gentil. Porém, sofre do mal que atormenta toda a família quando se sente injustiçado ou quando resolve comprar uma briga. Nesses momentos, os Lycariões esquecem sua maneira controlada de ser e ficam completamente cegos. Perdão é uma palavra expurgada de seus dicionários nessas horas. Tio Eurico, como legítimo e completo Lycarião, quando entra em uma briga, não se rende até se ver esfacelado ou até ver seu inimigo fatiado.

Meus caros, aqui ficamos por hoje. Espero o mais cedo possível retornar para poder falar sobre Wanda Miriam, que teve como rebentos Rodolfo e Priscila. Confesso desde já ter tido um relacionamento conturbado com esse ramo da família. Porém, fico satisfeito por saber ser isso passado.

quinta-feira, setembro 23, 2004

Onze, e estamos em Setembro !

Vamos falar daquele que sem dúvida alguma foi um dos meus primos que mais me marcou, exatamente por ser um dos meus grandes companheiros de infância. Refiro-me ao caçula de Seu Bida, Eduardo, meu querido Dudu.

Dudu é o mais velho dos primos mais novos. O maioral da terceira geração. Essa terceira geração era a mais ínfima, sendo composta por Dudu, eu e Rodolfo. Antes de mais nada, devo dizer que nós 3 éramos os que sempre estavam junto uns dos outros, mas também é necessário dizer que essa deve ter sido a geração com a maior quantidade de conflitos.

Nesses conflitos, Dudu geralmente era espectador ou pivô. A maioria deles aconteceu entre mim e Rodolfo, mas essas histórias são longas, e em outro post serão devidamente explicadas. O essencial é mostrar aqui que não raro, eu e Rodolfo brigávamos por estarmos realmente disputando para ver quem era mais amigo de Dudu.

Tal disputa é facilmente explicável. Dudu era o único de nossa geração que vivia em cidade grande, sendo natural e residente de Belo Horizonte. Também, por ser o mais velho de nossa turma, era aquele com maior conhecimento e experiência de vida. Ficávamos maravilhados pelas histórias que ele contava sobre sua fantástica vida, as brigas, os pivetes, os perigos enfrentados na cidade grande.

Mas sem dúvida alguma, aquilo que mais o tornava admirável era seu admirável e pujante vocábulo. Senhores, esse meu primo que me ensinou a palavra "caralho". Todos sabemos como crianças apreciam palavrões e xingamentos, e esse meu primo, como o maioral de nossa geração, era o único que poderia passar por algum grau de iniciação no sacro mundo das palavras chulas pelos primos da segunda geração.

A situação fica ainda mais grave quando vemos que eu e Rodolfo tínhamos irmãs apenas, pertencentes sim à segunda geração, mas já que eram meninas, deveriam sempre apresentar um dicionário imaculado, livre de quaisquer palavras de baixo calão. Afinal, essas, eram de propriedade exclusiva dos homens. Exatamente por esse privilégio masculino, Dudu fora abençoado e tivera sua iniciação nas arcanas artes do xingamento de maneira muito mais fácil, corriqueira e rápida. Afinal, se vocês se lembram, ele não tinha apenas um, mas dois irmãos !

Lembro-me ainda hoje, com clareza de um dia que eu fiquei simplesmente maravilhado pela exuberante concatenação de palavras que esse meu destro primo foi capaz de elaborar. Estávamos nós três brincando de Pega-pega, mas um pega-pega diferente, já que ele só podia se passar em um pequeno morro, de difícil escalada para nós, e o "pegador" não podia nele subir, limitando-se apenas a tentar pegar aquele de nós que por ventura escorregasse e voltasse ao início do morro. Logo mais irei divagar mais sobre esse morro.

Rodolfo estava como o "pegador" naquele momento. Eu estava seguro, mas Dudu havia se descuidado e por pouco não foi pego por Rodolfo. Ainda assim, espertamente ele protestou:
"Dudu, te peguei !"
E então, veio a maravilhosa e poética resposta de Dudu:
"Pegou o caralho !"

Aquilo que havia começado como uma pequena brincadeira, com o mero propósito de estreitar laços de amizade, aumentar rivalidades e passar o tempo, acabara de se tornar uma experiência epifânica. Mesmo não tendo entendido bulhufas, gargalhei perante a sonoridade marota e brincalhona dessa excelente reposta à falácia de Rodolfo. Claro que depois a brincadeia acabou. Todos nós queríamos saber qual era o significado daquela palavra, cujo pronunciamento nos trazia os mesmo efeitos que algumas horas de consulta com um bom terapeuta.

Durante toda minha infância, um dos meus maiores sonhos era conhecer a casa de Dudu. A família de Seu Bida era aquela que havia herdado a paixão pelo aeromodelismo na família, fazendo com que as jóias da família presentes em Varginha acabassem por ter adições em Belo Horizonte. Mas a magnificência da casa não parava por aí.

O que eu mais anseiava por ver quando novo, era a coleção de Comandos em Ação que as lendas ditavam existir na casa de Dudu. Nas férias tínhamos uma pequena demonstração do gigantismo e qualidade de tal coleção. Dudu trazia os mais variados Comandos em Ação, tanto Cobras como G.I. Joe´s, e eu e Rodolfo nada podíamos fazer a não ser admirar embasbacados a gloriosa vida que esse nosso abençoado primo tinha.

Lembro-me particularmente do carinho e preferência de Dudu pelo Sargento Braço-Forte. Bonequinho extremamente forte, usando uma camisa regata azul, calça camuflada verde, coturnos pretos, bigodes e, para completar, um chapéu verde, daqueles típicos de policiais florestais (ao menos de filmes americanos), e um óculos Rayban azul. Era a expressão perfeita do machão dos anos 70.

O boneco como um todo exalava uma palavra: Estilo. Olhando para aquele boneco, você tinha certeza de algumas coisas. Primeiramente, ele era um homem durão, como nenhum outro em todo o mundo. O único ser humano que talvez pudesse ser comparado a esse temível Sargento seria Clint Eastwood, mas ainda assim o Sargento o faria chorar como uma mulherzinha. Em segundo lugar, você entendia finalmente o que detinha os Cobras de ganhar a guerra do imaginário infantil. Se os G.I. Joe´s eram treinados por aquele Hércules de plástico, quem havia de ter a mínima chance contra o inominável poder que haveria de ser conquistado por tais recrutas ? Sem dúvida alguma, Sargento Braço-Forte era o tipo de homem que já havia feito muitas mães chorarem. E ele não dava a mínima para isso, sua frieza era tal, que parecia ter o coração de plástico.

Essa preferência, como já ficou claro acima, era facilmente justifcada. Porém, eu nunca havia visto quaisquer veículos dos Comandos que Dudu possuía, e era esse o meu sonho infantil. Era-me absurdamente deleitoso apenas imaginar os veículos que Dudu descrevia, especialmente os aviões. Que eu me lembro ainda hoje, ele tinha um F-14 e um caça de asas invertidas, ambos dos G.I. Joe´s. Posso dizer que não foram poucas as noites nas quais dormi pensando nesses caças.

Basicamente, toda a minha infância e meu relacionamento com o Dudu se resumiu a isso. Admiração por ele, suas histórias e sabedoria de vida, assim como à sua impetuosidade. Dudu não engolia sapos. Qualquer batráquio que se aproximasse seria imediatamente repelido com um violento xingamento ou pontapé. Não foram poucos os atritos que tive com ele por causa disso, mas sempre eu acabava cedendo, engolindo ou não um sapo.

Nossa proximidade começou sua derrocada quando eu estava com os meus 13 anos. Nesse idade tive alguns dos mais marcantes acontecimentos de minha vida, e posso falar seguramente que foi nessa idade que ingressei na juventude. Um dos acontecimentos que mais evidenciou nosso distanciamento, ocorreu simplesmente por causa de uma música. Eu queria escutar algumas músicas do Metallica, ainda hoje minha banda favorita, e Dudu se recusou a escutá-las comigo. Mesmo ele só estando presente nas férias e eu tendo aquelas músicas para sempre, eu decidi por escutá-las e ignorá-lo.

Assim que me mudei para BH, tinha expectativas de me aproximar novamente dele, o que até mesmo aconteceu por um curto período, mas realmente já tínhamos nos diferenciado intensamente. Mesmo ainda gostando-nos e admirando-nos mutuamente, já não mais éramos os grandes companheiros que um dia havíamos sido. Essa nossa distância pouco diminuiu, mas ela também pouco importa. Só de ter essas recordações, mantenho Dudu como um campanheiro eterno, um sábio tutor que me ensinou muitas coisas sobre como ser uma criança. Realmente um dos primos mais marcantes de toda minha vida.

Sobre o morro onde brincávamos, devo dizer que se alguém o ver hoje, ficará espantado de como algum poderia algum dia chamar aquilo de morro. Eu mesmo me espantei ao vê-lo há pouco tempo atrás. Esse morro é apenas um pequeno declive, que está em uma pequena praça, perto da Lan House que costumo ir em Varginha, a HotGame. Também, é exatamente em frente à casa de Vó Wanda. O que mais me impressionou foi ter visto esse morro e constatar que eu poderia facilmente subi-lo com não mais que três passos. E, que jamais poderia me deitar nele. Exatamente por ser o espaço demasiado curto.

Fiquei maravilhado ao perceber isso. Só então pude perceber que realmente, o mundo para as crianças é muito maior, muito mais vasto, e o é exatamente por serem as crianças pequenas. Se na minha infância eu nunca tivesse brincado naquele declive, eu jamais o teria percebido em toda a minha vida. É ridículo perceber que um dos coadjuvantes de uma das minhas mais queridas memórias não é absolutamente nada para praticamente todos. Valorizar as coisas mínimas é o maior talento que uma criança tem. É esse talento que faz delas pessoas tão plenas. Mesmo aos nossos olhos não tendo nada, cada criança tem para si todo um mundo.

Amigos, por hoje ficamos aqui. No próximo post, conheceremos a vida de Eurico Rogério, um querido tio meu que, ainda que sejamos um tanto distantes e discordemos em variados assuntos, é uma das companhias mais agradáveis que sou capaz de elencar.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Décimo, como o mandamento.

Que dobrem os sinos, pois Seu Bida aproxima-se do Campestre !

(Coloquem-se aqui quaisquer efeitos de flashback ou edição possíveis, assim como a voz de algum narrador familiar dizendo "no último capítulo...", e se quiserem saber o último capítulo leiam abaixo. Eu já o fiz e tá imenso.)

Pois bem. Em algum lugar dos 5 km que separam o Campestre do centro de Varginha, estava um Passat azul dirigindo-se rapidamente ao referido clube. Em sua direção, um oficial Lycarião esbravejava pela libertinagem de seus subordinados. Sabia que acabaria por encontrar uma terra-de-ninguém, devastada por enfrentamentos recentes. O oficial, Seu Bida, só não sabia quão grave havia sido a brincadeira de seus homens.

Lá chegando, viu um punhado de novatos, todos eles totalmente verdes. Exceto alguns que estavam brancos de pavor e nosso heróico comandante, Gui, que já devia estar amarelo devido ao sofrimento pelo qual seu fígado passava. As ordens foram poucas e ríspidas. Apenas entramos no carro e fomos embora. Pensávamos estar rumo à felicidade de nossa base, podendo finalmente esquecer a terrível batalha.

Porém, não era esse o desejo de nosso oficial. Seu Bida esbravejava, não nos dava qualquer crédito pela batalha, não elencava qualquer condecoração futura. Tal era sua indignação, que se fosse possível ele implantaria uma corte marcial ali mesmo. E provavelmente sem direito de defesa. Não me lembro de quaisquer cortes, mas lembro-me de repetidos cascudos que ele dava em nosso comandante, que sequer esboçava alguma reação. Na verdade, parecia que ele sequer sentia as repetidas pancadas. Elas se ofuscavam face ao estado deprimente em que suas vísceras se encontravam.

As Valkyrias ainda batalhavam contra Gui, mesmo estando elas já em seu estômago. Gui nesse momento já havia provado sua hombridade e garantido seu lugar no Valhalla. Parou de lutar assim que chegamos à casa de Vó Wanda. Ainda dentro do lendário Passat expulsou de seu corpo o remanescente das forças inimigas. O mais intrigante, é que ao ver aquele sangue dourado que fora protegido por couraças de bronze, Seu Bida não se admirou da valentia de seu filho, mas ficou ainda mais indignado, redobrando a frequência e o vigor dos xingamentos contra nosso líder.

Tal comportamento era no mínimo paradoxal, já que estávamos sempre acostumados a ver um tratamento digno de heróis ser dispensado àqueles que se destacavam nas guerras alcóolicas. Não necessariamente no seio de nossa família, mas principalmente na própria sociedade, que sempre celebrava um esvaziamento impetuoso e eficaz das Valkyrias, vendo como um verdadeiro campeão aquele que apenas cessava de combater quando estava em estado de choque, ou sendo apenas passível de salvação através de uma grande ampola de glicose.

Sem dúvida, essa foi a maior lição que aprendi naquele dia. Gui se tornou exatamente o campeão que toda a sociedade desejava, mas assim que viram o que seus desejos causavam, não fizeram um mea culpa. Apenas atacaram aquilo que eles mesmos haviam construído. A hipocrisia e o descomprometimento estavam patentes naquele caso. Gui era o herói da tarde, e exatamente por isso, o vilão da semana. Infelizmente apenas ele teve uma ressaca, tanto orgânica quanto moral. A sociedade sequer reconhecia seus erros. Continua a mesma ainda hoje. Mas, isso podemos remediar facilmente. Tomemos uma Antartica, a Juliana Paes cairá dos ceús em nosso colo e seremos para sempre saudáveis, felizes, invejados e bem relacionados.

Agora lhes contarei sobre um Lycarião que é dos mais carrancudos, amáveis e afetuosos, além de ser sem dúvida um dos mais preocupados com toda a família. Leonardo, filho do meio do casal Seu Bida e Daça.

Primeiramente, na família sempre foi o Leo, mas também é conhecido por Leopardo, Hans, Lyca, Floyder e ainda outros apelidos. Sem dúvida é um dos mais amados por toda família, exatamente pela preocupação e amor que ele dispensa a todos indistintamente. Vale dizer que quanto a essa preocupação e amor, ele é sem dúvida o Lycarião que mais os demonstra. Porém, ninguém nunca falaria ser ele esse poço de bondade.

Até mesmo em suas fotos mais antigas, quando ainda era bem criancinha, ele já tinha uma cara extremamente brava e carrancuda. Aquela típica cara de mau-humor. E essa aparência nada amigável se manteve praticamente inalterada. Tanto é que, na UFMG, onde cursou veterinária, era conhecido pelo dócil apelido de "Hans". Não é uma alusão a quaisquer raízes alemãs que ele não tenha, ou sotaques ou qualquer coisa parecida. Tal apelido nada mais é que uma contração de ranzinza, que é a aparência que ele sempre demonstra.

Claro, ele não é só flores. É um dos Lycariões que mais xinga, e olhem que Lycariões gostam de xingos, em alto e bom som. Sem dúvida alguma, é exatamente aí que Leo mostra sua grande veia cômica. Quando ele começa a xingar ou reclamar, a sua cara fica completamente justificada. Suas reclamações são revestidas de uma revolta interior ilimatada, de uma raiva incontida, e de um claro desejo de encher o saco daquele que fez com que ele xingasse e fazer rir aqueles que não tiveram culpa dos xingamentos.

E como são sonoros seus xingamentos. Mesmo normalmente sendo uma pessoa dócil e de fala mansa, para xingar, ele tem um "know-how" no mínimo peculiar. Um "filho da puta" jamais é falado por ele, mas sim proclamado ou melhor ainda, declamado. Lembro-me de um dia em particular que mostra bem essa veia desse meu querido primo.

Eu já estava morando aqui em Bh, e um dia, estava na casa de Seu Bida, mas demos uma volta para fazer compras se bem me lembro, eu, Leo, e o próprio Gui. Salvo engano, Dudu, o terceiro filho da família, não estava conosco. O fato é que Leo já estava com fome há um bom tempo, e Gui resolveu parar um pouco o carro, apenas para levar algo até o apartamento de uma amiga sua, já que havíamos parado em frente ao seu prédio.

Leo não parava de reclamar, mandando sucessivas vezes o Gui tomar no cú, chamando-o de filho da puta, que iria dar uns cascudos nele, que queria almoçar logo, que estava com fome, e isso se prolongou praticamente por todo o tempo no qual ficamos parados em frente ao prédio dessa amiga do Gui. Quando Gui voltou, uns 10 ou 20 minutos depois, Leo já estava deitado no banco de trás do carro, olhando para o céu e reclamando consigo mesmo, da maneira hilária que apenas um bom mau-humorado consegue.

Assim que viu Gui se aproximar do carro, sentou-se e gritou, em alto e bom som:
"Guilherme seu filho da puta ! Eu tou com fome caralho !"
Gui ignora e continua a se aproximar.
"Você acha que eu sou uma porra dum boneco que não sente fome ?"
Gui entra no carro.
"Tou te esperando tem meia hora cacete ! Anda logo e vamo embora pra casa que eu quero comer alguma coisa, seu merda !"
Gui dá a partida e vamos embora, atendendo o pedido de Leo. Diz apenas uma coisa:
"Agora pára de me encher o saco, sua bichinha."
Leo fica xingando e falando ser um ser humano, não um boneco, até chegarmos para o almoço.

Essa história ilustra bem como é o Leo, daqueles que reclama por prazer, principalmente o prazer de ver alguém rir dele reclamando. Na história acima, eu fiquei me matando de rir enquanto o Leo ficava falando na orelha de Gui, que o ignorava solenemente, exatamente por saber ser aquilo nada mais que um artifício humorístico. Agora, tenho que dizer que Leo sabe quando esse humor é apreciado, jamais dizendo um palavrão quando perto de algum familiar mais conservador, sempre respeitando o mesmo. Até mesmo sendo extremamente respeitoso, como nenhum outro da família, em minha opinião.

Ultimamente suas maiores paixões tem sido a própria veterinária, na qual se formou ano passado se bem me lembro, e também músicas. Sua banda preferida sem dúvida alguma é Pink Floyd, tanto é que sábado no show do Digão, Leo era pessoa recorrente em minha memória.
Infelizmente, como vocês já devem ter percebido ser comum, estou um tanto distante dele, assim como de toda essa família, mesmo que nós atualmente moremos na mesma cidade, minha apatia é obstáculo quase intransponível, que dificulta uma aproximação duradoura entre nós.

Amanhã (leia-se: no próximo post), falarei-lhes do caçula dessa família, um dos meus primos mais queridos, e sem dúvida aquele que mais se destacou em minha vida, principalmente na infância. Eduardo, meu querido Dudu.

Peço desculpas por não ter feito um post tão excelso quanto o último, que acho ter sido meu melhor até agora. Abraços, meus leitores.

quinta-feira, setembro 16, 2004

Nono, mas não uma Nona.

Obededom Antônio Bueno Lycarião. Para os sobrinhos, Tio Bidon. Para os íntimos, Seu Bida.
Acho que sem dúvida alguma aquele que mais carrega o legado cultural de Seu Lyca. Sem dúvida é o mais intelectual de meus tios. Também acho que é aquele com quem mais tive contato, assim como seus filhos foram os primos com quem mais estive próximo. Isso desconsiderando-se primos que não fossem de grau "imediato".

Seu Bida sempre foi estudioso, lembro-me de papai me contar histórias de quando ele ficava espezinhando-o quando era pequeno. Papai como o diabo que era ficaria enchendo o saco enquanto o pequeno Bida aplicava-se árduamente aos estudos. Não raro a história terminava em cascudos.

Pelo o que sei, Seu Bida formou-se na PUC, em alguma engenharia. E, formou-se exatamente no campus onde atualmente estou eu, Coração Eucarístico, Belo Horizonte. Se não me engano foi exatamente por essa época que conheceu Daça, a Tia Daça, mulher de fibra, que não raro tem opiniões um tanto polêmicas para a família. Lembro-me que ela formou-se na FAFICH, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Por algum acaso, a primeira casa em que morei aqui em BH era exatamente em frente ao local onde ela havia estudado.

O primeiro filho do casal foi Guilherme, nome quase nunca usado pela família. A alcunha deste louvável Lycarião é Gui. Atualmente, depois de batalhas incessantes e épicas, está cursando Medicina. Acho que já está quase se formando. Tenho algumas memórias no mínimo interessantes dele.

Em Varginha, existe o Clube Campestre, um clube que vocês verão que foi o lugar de alguns dos acontecimentos mais marcantes de minha vida inteira. Numa época de férias, com todos os primos em Varginha, fomos todos para o Campestre certo dia. Eu devia estar com uns 10 anos, então, Gui, um dos patriarcas dos primos, devia estar com algo como 16, 17. Exatamente nessa época, eles eram para mim os jovens que sabiam aproveitar a vida ao máximo, incessantemente e sabiamente saboreando cada minúsculo momento de suas vidas. Claro, tal imagem também derivaria das merdas que por vezes eles aprontavam.

Bom, nesse dia, Gui era o mais velho dos primos presentes, e, portanto, era o mais destemido, o maioral, o líder do clan dos pequenos Lycariões. Por favor, entendam que eu estou dando uma escala épica para coisas mínimas, não achem que éramos índios em uma floresta. Éramos apenas moleques em piscinas. Mas, nosso destemido líder naquele dia estava firmemente centrado em um nobre objetivo para um jovem guerreiro. Ele e seus companheiros de batalha iriam fazer com que no fim do dia eu acabasse por ver a maior quantidade de garrafas vazias de cervejas que eu veria em toda a minha vida.

As mesas do campestre na verdade eram um poste, que tinham um círculo de metal a aproximadamente um metro de altura, que formava a mesa em si, e, no seu topo tinham uma cobertura, como uma espécie de um guarda-sol. Lembro-me de ficar impressionado quando alguns beberrões conseguiam fazer com que as garrafas fechassem um círculo de duas garrafas de raio ao redor do "poste-sustentáculo" da mesa.

Pois bem. Vocês já sabem que os Lycariões têm uma queda por guerras e batalhas. E, nosso comandante-em-chefe naquele dia estava realmente inspirado ! Sem nem mesmo usar-se de artifícios táticos como remédios ou óleos ou até mesmo um belo banquete antes da batalha, nosso glorioso general atacou as valkírias inimigas em suas armaduras cor de bronze, usando apenas da sua vontade de aniquilá-las e sua infinita moral de jovem.

Contando com seus aliados apenas ocasionalmente, esse nosso glorioso combatente deixava uma a uma as armaduras inimigas vazias, sugando toda a vida que nelas havia, como um vampiro que freneticamente esvazia os corpos de suas vítimas, deliciando-se imensa e inconseqüentemente com o inebriante coquetel que elas guardam dentro de si.

No fim do dia, a paisagem era aterradora, incrível de se ver, mostrando muito bem até onde um jovem consegue ir quando confia em si mesmo. Lembro-me de ficar impressionado com círculos de garrafas nas mesas quando estes tinham um "raio" de duas garrafas. Pois bem. Novamente os Lycariões alcançaram os píncaros da glória. Nosso temível Gui havia feito nada mais do que um círculo com 4 garrafas de raio. Em outras palavras, as garrafas começavam a surgir a 5 centímetros da borda da mesa. Porém, não foi só isso. O massacre foi tão incrível e desumano, que abaixo da mesa, no próprio chão do clube, percebia-se um outro círculo, ainda maior, com 5 garrafas de raio.

Jamais em toda a minha vida verei outro monumento à picardia, libertinagem e poderio dos jovens, de tamanho destaque e onipotência. Aquela mesa havia acabado de se tornar um Totem, um legado para as gerações futuras, demonstrando o quanto um jovem podia mudar o mundo caso quisesse.

Claro, a deglutição de loiras em tão nababesca quantidade teria o seu preço em nosso amado líder, e o mesmo se encontrava extremamente combalido ao fim da batalha. Não apresentava quaisquer ferimentos externos, embora depois viesse a ter um ou outro hematoma em virdude da magnífica atuação na batalha. Porém, suas entranhas estavam ainda naquele momento sofrendo com a batalha. Seu organismo estava tendo seu apocalipse particular, um ragnarok orgânico.

O estado de nosso comandante mostrava esse fim dos tempos intracelular. Aquele que no início do conflito mostrava uma peculiar galhardia nos seus modos falantes e em seu cantarolar alegre e inspirado, mal conseguia dar quaisquer ordens aos seus homens. A nossa moral, mesmo tendo ganho a dantesca guerra que se alastrou por toda a tarde, estava agora em frangalhos. Nosso heróico comandante, embora claramente vivo e consciente, havia sido desgastado de uma tal forma que suas pernas, que há não muito lideravam destemidamente o ataque contra as gélidas valkírias, não conseguiam sequer suportar o peso de seu próprio corpo.

Como ineptos recrutas, que apenas se protegiam à sombra de nosso grande líder, assim que ele desabou nós batemos em retirada. Dominados pelo desespero, e mostrando quão grande era o nosso despreparo, fizemos a pior das ações possíveis naquele momento. Pedimos para ser evacuados da área de combate. O quartel general, a casa de Vó Wanda, nesse momento percebeu o que seus fuzileiros estavam aprontando. Imediatamente foi enviado o superior imediato ao nosso líder. Seu Bida dirigia-se ao campestre.

Amanhã resumiremos essa épica história, com ainda mais prolixidade, outros toques de lendas nórdicas, e descrevendo em ainda maiores detalhes as guerras travadas entre o álcool e os adolescentes. Desculpem-me pelo recurso televisivo, mas é que mesmo me divertindo, estou exaurido. Afinal, esse post começou a ser publicado às 18:34. Agora são 20:44. Entendam-me.

Abraços, caros leitores.

terça-feira, setembro 14, 2004

Avante ao Oitavo

Pois bem, vamos à vida de José Damião Bueno Lycarião.

Tio Damião, primogênito do casal formado por Dona Wanda e Seu Lyca, não raro é visto como um dos maiores vencedores da família. Para mim, um tio muito querido, uma agradável companhia e bom de conversa, mas confesso já ter sido ele um dos tios que eu mais detestava.
Nesse ponto de ele ser detestado, ele se iguala à Dinda. Ambos não tinham a mínima paciência com meus indubitavelmente irritadores barulhos quando criança. Não que eu fosse uma criança capeta, era apenas normal. Mas claro, como uma criança normal, meu repertório de efeitos sonoros quando brincava era algo aterrador. Compreendo as broncas que ambos me deram, exatamente por eu ter me tornado uma pessoa que odeia barulhos, principalmente infantis.

Agora, veremos como ele se tornou um exemplo de vencedor. Ao contrário de meu avô Jair, ele conseguiu se tornar um vencedor através do estudo. Sempre um aluno muito aplicado, cursou uma faculdade federal, (como ele estudou em BH, presumo ser a UFMG) onde fez bacharelado em química. Pelo destaque que foi em seu curso, conseguiu uma bolsa de estudos nos EUA. Já sabia falar inglês, fora autodidata nisso. Então, concluindo sua faculdade, aos EUA se dirigiu.

Lá, conheceu aquela que seria sua esposa, a minha querida Tia Beatriz, que se não me engano tem raízes em Belo Horizonte. Uma das mais célebres histórias desse casal, se passa nos próprios EUA. Reza a lenda que ambos, já enamorados, alugaram um carro conjuntamente e com ele cruzaram o país de costa a costa. Infelizmente não sei maiores detalhes de tal viagem, mas só esse esqueleto da história já nos mostra novamente como minha família realmente tem uma veia cinematográfica.

Pois bem, nada mais sei historicamente sobre os pombinhos, tendo agora que recorrer apenas às minhas lembranças. Portanto, teremos agora que dar uma avançada boa na história.

Agora o casal já tem três rebentos. Andréia, Luiz Flávio e Letícia. O casamento se mantêm e toda a família mora em AlphaVille, perto de São Paulo. José Damião é engenheiro químico, trabalhando na DuPont (ou ao menos tendo trabalhado), e dentro os afazeres de Tia Beatriz posso mencionar as aulas que ela ministrava em sua própria casa. Aulas essas de inglês, para turmas que desconfio, poderiam chegar a duas dezenas de alunos. Tais memórias poderiam se encaixar acho que bem no ano de 1993, que foi quando fui pela primeira vez à São Paulo, e por lá passei.

Atentem terem sido os filhos desse casal aqueles que se tornariam meus primos mais velhos. Afinal, tenho primos apenas pelo lado da família Lycarião.

Andréia, a Dedéia, sempre foi uma mulher independente e muito bonita, embora tivesse morado com os pais acho que quase que até os 30 anos. Casou-se recentemente, e minhas últimas notícias sobre ela mencionavam uma gravidez. Sempre me tratou muito bem, e sempre gostei muito dela. Apenas uma história que me vêm à cabeça que denota uma pequena rispidez dela para comigo. Acho que essa rispidez foi involuntária, sendo ela percebida apenas de minha parte. Tal memória se refere à uma visita que ele fez à Vó Wanda pouco depois que Dedéia voltava dos EUA, e eu, como criança estúpida, completamente imbuída de gírias televisas vazias e repugnantes, perguntei à Dedéia:
"E aí, como foi nos States ?"
Sua resposta veio rápida.
"Você sabia que States é estado, e portanto não significa necessariamente Estados Unidos ?"
Particularmente, se ela realmente foi ou não ríspida, acho que nunca saberei. O fato é que eu me senti um idiota. Se eu fosse ela, realmente teria sido ríspido. Gírias, que são o desespero da linguagem, já são ridículas. Quando Televisas, infantis, e movidas por um desejo da pessoa de parecer "descolada" e "plugada" são simplesmente odiosas. Muito obrigado Dedéia, por ainda que acidentalmente, ter-me dado tal lição.

Luiz Flávio. Um dos meus mais queridos e invejados primos. Ainda que há pouco tempo eu tenha errado seu nome (não sei como diabos fui esquecê-lo, mas já tive histórias incríveis de tais esquecimentos), é um dos meus primos que mais frequentemente está em minha memória. Não necessariamente pela convivência que tivemos juntos, um tanto limitada, mas sempre gratificante, mas sim pela própria vida que ele leva. Quando penso no Luiz Flávio, mais conhecido como Lú, penso em um homem que sabe como desfrutar a vida. Nunca fez nenhuma grande irresponsabilidade, mas já fez inúmeras farras. Sempre trabalhou, e ainda mora com os pais (acho que agora está com uns 33 anos). Suas histórias de sucesso com o mulherio, assim como de paixão por máquinas automotivas em geral são sempre memoráveis e um exemplo daquele que seria realmente o garotão bem sucedido. Acho que indubitavelmente, é o Don Juan da família. E um crianção !

Uma de suas histórias mais deleitosas se é a história de um mês de sua vida que foi o mês em que ele mais foi punido por forças divinas. Nesse mês ele quase morreu, quase ficou paralítico, quase ficou cego, e muito provavelmente, por pouco não deve ter sido deserdado.
Primeiramente, sua quase cegueira. Lú jogava Squash (isso é esporte, e de esporte não quero saber, então, provavelmente está escrito errado), e, um dia, vendo um cara jogar Squash com um óculos de operário, desses que protegem toda a área dos olhos pensou: "porra, que cara paranóico ! Nunca a bola vai pegar no olho dele."
Surpresa ! Uma semana depois a bola realmente não tinha pegado no olho do jogador precavido, mas sim no do Lú. Infelizmente não me lembro quão graves foram as consequências, mas sei que hoje está tudo bem. E que no momento a dor foi graúda.

Depois de quase ficar cego, acho que depois de uma semana, Lú simplesmente caiu de cama. Não sei como diabos aconteceu, mas se bem me lembro, disseram ser uma virose (nas sábias palavras de meu amigo Juninho: "Quando um médico não sabe o que você tem, você terá uma virose."), pois bem. Essa virose quase matou nosso querido Luiz Flávio. Infelizmente, novamente não sei quão grave foi o acontecimento, mas me lembro de ter conhecimento da enfermidade lá em Varginha. Ou seja, foi algo realmente preocupante.

Enquanto o Lú ainda estava acamado, nosso querido Tio Damião teve um pequeno acidente. Ele simplesmente quase ficou paralítico quando pilotava um avião experimental e o mesmo caiu. Claro, nada demais, acontece sempre, em todas as famílias. Só para constar não ser ele um incompetente, no quesito piloto e em conhecimento de aeronaves, ele já foi presidente da Associação Brasileira de Aviação Experimental, a ABRAEX. Claro, foi uma comoção e uma preocupação imensa em toda família. Lú em sua cama quase morrendo por uma desconhecida e mistoriosa virose, e, na sala da casa da família, o patriarca da mesma, em uma cama de hospital que lá teve que ficar, pois foi impossível transportá-la até o quarto.

Bom, o fato é que Lú se recuperou de sua virose e a família pode respirar aliviada, apenas um membro da mesma estava em maus lençóis. Uma das coisas que Lú sempre fazia e claro, fez quando se restabeleceu, seriam passeios em motocicletas. Lú sempre foi um filho muito ligado ao pai, e, ao deixar o pai acamado sozinho, ainda mais na sala, ele realmente não se sentia muito bem. Uma das coisas que aconteceu num dos seus primeiros passeios de moto assim que se restabeleceu foi justamente levar um belo tombo, que quase o deixa paralítico. Claro, no dia seguinte, ele estava ao lado do pai, na sala da casa, em sua própria cama de hospital. Isso que é amor e dedicação. Sinceramente, acho que a Tia Beatriz realmente deve ter pensado em deserdar o Lú por causa dos ciúmes que deve ter sentido.

Mais saborosa ainda é a história quando a vemos na figura do médico da família. Chegando para examinar Tio Damião, ele pergunta o paradeiro da família, e o estado do recém recuperado Luiz Flávio. "Ah, o Lú saiu para passear de moto, está muito bem já." Terminados os exames, o doutor estava se dirigindo à porta quando toca seu celular. "Alô, doutor, por favor, não fale nada aí, com ninguém, finja como se nada estivesse acontecendo. Aqui é um amigo do Lú e ele acabou de levar um tombo feio de moto. Parece que a coluna dele tá bem destruída, tamos em tal lugar."
Claro, como bom profissional, ele desliga calmamente seu celular. Pergunta e afirma Tia Beatriz: "Outro cliente já ? Médico realmente não têm sossego !" Ao que o doutor responde: "É, nada demais, acontece."
Mais tarde o mesmo médico acompanha Luiz Flávio em sua nova cama de hospital, à adentrar a casa triunfante para acompanhar o pai.
Tia Beatriz perdia seu sossego.

Agora, falaremos sobre a caçula dessa família, uma das minhas primas mais queridas, embora ultimamente tenhamos nos distanciado extraordinariamente. Ana Letícia, a querida Lê. Sempre foi uma garota extremamente independente, corajosa e de um brio no mínimo, raro. Também, sempre foi uma das minhas primas mais desenvoltas e divertidas. É penoso para mim constatar que eu não tive tanto contato assim com ela, era mais um espectador de suas conversas, normalmente travadas com outros primos, em especial Gui e Leo, filhos de Seu Bida.

Afinal, eu era um fedelho, sou da terceira e última geração dos primos da família, mas nunca tive muitos problemas com isso. Ainda assim a Lê sempre foi muito gente boa comigo, e lembro-me especialmente das tardes que passávamos todos nós juntos na casa da Vó Wanda. Tardes inteiras passavam em minutos. Essas tardes foram as tardes que mais me fizeram apreciar minha família e a camaradagem familiar, mesmo eu ficando meio "por fora" das conversas.

Eles para mim eram os jovens, aquelas criaturas míticas, ultra-confiantes e de uma capacidade tal de se divertirem e serem divertidos que fariam qualquer parecer deprimido. Talvez possa ser pela falta de contato, mas a Lê ainda me parece ser esse tipo de pessoa, que sempre está se divertindo e aproveitando seus momentos, mesmo que não intensamente, mas constantemente.

Uma das coisas que ele repetia como um mantra nas últimas vezes que nos encontramos era o seu grande desejo de jamais se casar. Confesso que tal futuro não me agradaria nem por um instante, mas para ela, realmente parece ser perfeito. Ela é do tipo de pessoa que consegue aproveitar a vida sozinha, quem sabe até aproveite-a mais assim. Isso realmente fica claro quando me lembro dela em épocas de namoro. Ela me parecia mais "apagada", um tanto menos cativante e empolgada.

As últimas notícias que dela tenho são que ela está cursando jornalismo, e se não me engano, já havia estagiado na Globo e no SBT. Pensando bem, já deve estar se formando, isso se já não se formou. Não gosto de concluir que realmente já faz muito tempo que não a vejo. Não ficaria surpreso se concluísse ser ela o integrante da família Lycarião que há mais tempo não vejo. Confesso ser isso uma pena. Afinal, ela era a "Princesa" do meu primo Leo. Só agora me lembrei, sua alegria constante realmente lhe faz jus. Não me lembro em qual língua, letícia significa alegria.

E aqui acaba esse post. Espero que tenham gostado dessa que é a família que brotou do primogênito dos meus avós Lycarião.

Nos vemos amanhã, quando veremos a família de Obededom Antônio.

segunda-feira, setembro 13, 2004

Pintaremos o Sétimo

Wanda Bueno Lycarião, uma das mulheres mais refinadas que jamais conheci. Uma das minhas principais lembranças de minha querida avó são àquelas refentes às aulas de desenho que ela ministrava, tanto para os familiares como para outros alunos, em cursos que ela dava em sua própria casa, exatamente nas mesas que abrigavam as monumentais refeições às quais aqui já me referi.

Muitas são as pessoas que eu conheço e que eu ainda vou conhecendo que fizeram aula com minha avó. Praticamente todos os quadros presentes em sua casa foram feitos por ela mesma ou por algum familiar (aqui destaca-se minha tia Wanda Mirian, a Tia Wandinha). Duas foram as ocasiões nas quais ela ministrou-me aulas. Uma delas quando eu era criança e lá ia forçado, e outra quando já estava com meus 17, 18 anos, por vontade própria. Confesso não ter me dedicado devidamente em nenhuma das ocasiões.

Outra coisa que devo confessar é nós dois termos sido muito distantes pela maior parte de minha vida, só mantendo um contato razoável durante as férias, mas ainda assim distante. Apenas nos últimos anos tal situação tem mudado. Mesmo que tenhamos convivido ainda menos nesses últimos anos (vejo-a no máximo três vezes ao ano, e em Varginha nossas casas não tem uma distância maior que uns 300 metros, além de eu ficar dias inteiros na lan house exatamente em frente à casa dela, sem nunca ir visitá-la) pude perceber que nossa relação tem sido bem melhor.

Também pude conhecê-la bem melhor dessa maneira. Ela sempre me pareceu ser uma mulher extremamente refinada, como realmente é, mas eu nunca havia percebido quão resignada ela era. Sobre seu refinamento, ela é daquelas mulheres que nunca estarão desmazeladas, mas sempre conservam-se arrumadas de uma maneira extremamente sóbria, sem muitos enfeites ou penduricalhos, também, nunca a vi trajando roupas de cores chamativas. Uma memória que me vem à mente foram as palavras que foram proferidas pela única namorada que tive até hoje, ao ver as unhas de vó Wanda: "Nossa, mas suas unhas são maravilhosas !"

Até aquele momento nunca tinha percebido, mas realmente, nunca a vi de unhas descuidadas. Outra coisa de nota é ela portar-se realmente como uma "Lady", raramente falando e, quando falando, sempre falando de uma maneira calma, pausada e sempre pesando cada uma de suas palvaras, proferindo-as sempre com imenso cuidado. Mas agora irei falar sobre sua resignação, que confesso ter sido um tanto chocante para mim.

O caso é que um tio meu estava em viagem, passando perto de Varginha, e, ficou combinado que ele passaria na casa de minha avó para os dois se reencontrarem, já que eles já não se viam há um bom tempo. Minha vó realmente estava ansiosa por tal encontro. Mas, por um desafeto do meu tio estar na casa dela no exato momento em que ele ligou para avisar estar lá indo, foi-lhe feito um pedido para que não se dirigisse diretamente até lá, passando antes pela casa de um outro familiar. Infelizmente, meu tio não gostou desse apelo, e decidiu que lá não mais iria passar.

Minha vó se controlou de uma maneira sublime, e continuou a recepção ao visitante. Assim que este foi embora, ela se virou para mim quase aos prantos, falando que meu tio não mais iria passar lá, e que ela iria tentar ligar para ele, tentando contornar a situação. Porém, essa sua resolução de ligar para meu tio novamente foi tão incrivelmente débil, e ela duvidava tanto que faria qualquer diferença, que tenho certeza que, mesmo ela querendo muitíssimo ver meu tio, ela não ligaria. Insisti para que ela ligasse para ele, finalmente tendo sucesso. Claro, meu tio, um homem razoável, rapidamente atendeu ao pedido de minha avó. Eu não tinha a mínima dúvida de que um telefonema o faria voltar atrás, mas minha vó tinha uma certeza tão absoluta de que de nada adiantaria o telefonema e quaisquer outros esforços que eu fiquei realmente chocado.

Só então percebi como ela sempre foi realmente uma figura secundária em sua casa. Não raro conflitos entre a família faziam-na sofrer de uma maneira incrível, mas ela quase nunca entraria na briga. Apenas se resignava e esperava o conflito se acalmar. Mesmo que para isso passasse por uma dor atroz. Ao contrário da Dinda ou da Vó Ede, a Vó Wanda jamais conseguiu se tornar uma mulher realmente independente. Isso é um tanto estranho e paradoxal, já que ela nunca se viu financeiramente submetida ou dependente assim como minha Vó Ede ou até mesmo a própria Dinda.

Lembrem-se que tanto minha Vó Ede quanto a Dinda sofriam um veto ao trabalho, imposto pelo meu avô Jair. Já o Seu Lyca, até mesmo incentivava a Vó Wanda a trabalhar, sendo que ela seria até mesmo mais economicamente ativa que ele, pois os três L anseiavam por se verem novamente publicados em um jornal local ou algo parecido, mantendo-se concentrados em trabalhos intelectuais. Ou seja, mesmo que economicamente Seu Lyca dependesse mais da Vó Wanda que ela dele, a submissão dela à ele era maior que a submissão de minha Vó Ede e da Dinda ao Vô Jair. Realmente, só agora percebi tal estranho paradoxo.

Infelizmente, da Vô Wanda não conheço muitas histórias que poderiam enriquecer este post, mas, muitas são as histórias dos antepassados dela, assim como as histórias da própria família Bueno. Porém, assim como as curiosidades de Seu Lyca, tratarei de diluir tais sabores ao longo dos vários posts que ainda temos pela frente.

Peço perdão aos leitores pela pobreza do post, já que meu conhecimento passa a ser quase ridículo. Assim como minhas memórias. Amanhã, veremos os filhos de Dona Wanda e Seu Lyca.
Relembrando, José Damião, Obededon Antônio, Eurico Rogério, Lecticio Luiz e Wanda Mirian.

Acho que teremos um post para cada, excetuando-se Lecticio, já que este, é meu pai. E sem dúvida é um dos personagens que originou várias das melhores e mais saborosas histórias que eu conheço.

Imitando o Pernalonga (que eu detesto):
That´s All Folks !

quinta-feira, setembro 09, 2004

Serás o Sexto

Quinta-feria um tanto agradável e mais do que válida.

Sendo ou não sinal de bom aluno, estou começando a fazer isso.Na aula, estou começando a pegar uma mania que fará mamãe ainda mais orgulhosa. Estou anotando quase toda a matéria nos próprios códigos. Sei que isso poderia vir a ser considerado tecnicamente como cola, mas mamãe ainda assim insiste ser esse um dos sinais do bom aluno. Prova de Constitucional um tanto "entregue", mas se o professor quiser poderá acabar com toda a sala apenas na interpretação.
Ah, as maravilhas das ciências humanas !

Depois de pagar o condomínio que teoricamente era para ser pago segunda-feira, vim para casa e aqui fiquei, de molho. Mas devo confessar que foi um molho agradabilíssimo, com várias coisas dando certo ao longo do dia. O dia inteiro regado a Beethoven, Vivaldi e Mozart. Este último, embora nunca tenha sido um dos meus mais admirados, passou a sê-lo depois de Amadeus. Neste momento até estou escutando seu Réquiem, no filme, a "missa para os mortos". Excelente.

Dois parágrafos. Embora confesse que quisesse escrever mais sobre o dia, devo aqui parar já que o atrativo desse blog é minha família, não minha vidinha patética.

Pois bem senhores, aqui estamos com a continuação da vida de meu avô, o Homem dos Três L, um poeta varginhense, um homem de inclinações autoritárias, um intelectual de tempos botocudos, um aviador que quase mata o próprio irmão, o idealizador do aeroporto de Varginha, nosso conhecido e amado Seu Lyca, Lecticio Luiz Lycarião !

Não vou gastar mais tempo tentando lembrar-lhes nosso último capítulo. Afinal, ele está logo abaixo com seu sabor e prolixidade originais. Aqui agora irei retratar minhas impressões particulares sobre esse incrível personagem, a maneira como o conheci, e com ele convivi, as circunstâncias de sua morte, as fotos que dele vi e que me impressionaram. Resumindo melhor, nesse post teremos a parte intelectual desse voluntário do Chaco.

Quando penso no vô Lyca, duas coisas me vêm à cabeça: Aviões e Livros. O espaço que mais exatamente poderia traduzí-lo seria exatamente a biblioteca onde também ficava o seu escritório em sua casa. Ressalte-se ser essa biblioteca parte do passado, devido a reformas feitas em sua casa, após sua morte. Essa biblioteca tinha livros por todas as paredes, deixando livre apenas um vão para a janela, e um espaço próximo à porta, onde ficava um armário feito de madeira e vidro, de portas e prateleiras transparentes, que guardava o objeto de desejo de todos os netos quando crianças. Apenas esses dois espaços não eram ocupados pela carga cultural de meu avô.

O objeto de desejo supracitado era a coleção de aeromodelos que foram feitos por ele e por seus próprios filhos. Nunca vi aeromodelos tão perfeitos, bem cuidados e místicos. Em todos os 20 anos de minha vida, só me lembro de ter tocado neles uma única vez. E essa foi também a única vez que vi aquele armário, com portas e prateleiras de vidro, aberto. A chave ficava ao lado, mas ninguém ousava tocar nela. Eram ao menos 5 prateleiras, cada uma devendo conter pelo menos 20 aeromodelos. Todos com um acabamento absolutamente fantástico, e embelezados não só apenas pela mística familiar, mas também pelo peculiar pó das relíquias. Aquilo não era pó. Era a proteção que o tempo havia dado àqueles tesouros familiares. Uma espécie de película protetora, a mesma que deve envolver o Santo Sudário ou ossos de quaisquer santos.

Realmente, quando penso retidamente naquele pó, ele estava de tal maneira já agregado aos aeromodelos que parecia fazer parte do verniz dos mesmos. E, davam a eles uma aparência de uma robustez tal, que mesmo que o plástico se quebrasse, o pó os manteria inteiros. Um exoesqueleto realmente. Sim, a memória de Seu Lyca é melhor representada pelas coisas do mesmo. Meu próprio pai, a não muito, na verdade nessas últimas férias, disse-me quando estava remexendo nas coisas do velho Lyca: "É incrível como as coisas do papai ainda mantêm o cheiro dele."
Quando meu pai fez essa afirmação o velho já havia falecido há 11 anos.

Irei lhes contar agora como foi minha convivência com esse admirável homem. Insignifcante. Se existe uma palavra para definir o contato entre duas pessoas, essa seria perfeita para mostrar qual foi minha convivência com esse meu incrível avô. Muito raro é eu ter qualquer pesar quanto ao meu não conhecimento ou falta de contato com familiares, mas esse é um dos contatos que eu mais gostaria de ter tido. Afinal, ele era um poço de cultura e histórias. Continha não apenas o conteúdo de algumas bibliotecas, mas também o de algumas das maiores experiências possíveis para um ser humano.

Digo-lhes no entanto, que tal falta de contato não foi por culpa de nenhum dos dois. Infelizmente as circunstâncias ditaram tal distância. Não consigo me lembrar dele em um estado de saúde bom. Para falar a verdade, não consigo imaginar ele fora do estado de saúde no qual sempre o vi. Sempre saudável, não parecia um velho doente ou qualquer coisa parecida, mas um homem claramente envelhecido. Falava muito pouco, tendo não raro dificuldade de articular suas frases. Para ele deve ter sido um grande desgosto, dado o grande orador que já havia sido. Sempre estava com sua bengala, e sempre movendo-se extremamente devagar. Porém, nunca parecia que estava com os dias contados.

Aproveitando, para exemplifcar esse seu peculiar estado de saúde, nada melhor do que falar exatamente sobre o dia em que acabaram seus dias. Uma coisa que todos na família concordam é que sua morte foi uma morte no mínimo invejável, parecendo até mesmo que ele havia se preparado para ela, tendo no seu último dia de vida um dia de esplendor e deleite, uma perfeita despedida da vida e de todos aqueles que ele amava.

Não sei quando ao certo, mas sei que perto do dia das mães de 1993 meu avô teve publicada em um jornal varginhense uma poesia de sua autoria, dedicada à sua mãe. Em uma das partes da poesia, ele dizia que logo a ela iria se juntar. Não sei exatamente quanto tempo depois, mas acho que duas semanas depois, ele cumpriu sua promessa.

Devo dizer que o dia da morte de meu avô foi sem dúvida o dia no qual mais tive contato com ele, mesmo tendo sido esse contato quase nulo. Mas lembro perfeitamente de tudo que foi feito nesse dia. Nenhum dia chegou sequer perto da incrível comunhão familiar que neste dia foi alcançada no seio da família Lycarião.

Todos os filhos do velho Lyca moravam em cidades diferentes, mas, nesse dia, mesmo não sendo feriado ou qualquer outra boa oportunidade, todos os filhos do patriarca lá estavam. E quase todos haviam trazido a família inteira. Dito isso, o velho nesse dia acordou cedo, como sempre fazia, ali pelas 8 horas, e teve um café-da-manhã que contou com a presença de toda a família -devo dizer que qualquer refeição que contava com toda a família nessa época era um evento, tínhamos até mesmo 2 mesas, uma para os adultos e outra para as crianças- e, logo depois dessa monumental refeição, foi exatamente passar a manhã inteira naquele lugar que era sua maior paixão. Sim. Foi voar. Mesmo tendo aproximadamente 80 anos, ficou a manhã inteira voando com seus filhos, já que todos eram portadores de brevê. Lembro-me ainda, perfeita e nitidamente, de uma foto dele diante do avião no qual voou nesse dia.

Logo depois de despedir-se dos céus, foi ele despedir-se da natureza. Exatamente ao lado do aeroporto, era a fazenda de meu pai. Que ele havia herdado conjuntamente com a minha mãe, quando meu vô Jair havia falecido. Minha família até mesmo nisso conseguia estar unida. Mas continuando, depois de todos voarem todos foram à fazenda de papai. O velho Lyca no passado também havia sido fazendeiro, e lá ele foi relembrar outra parte de sua vida crepuscular. Lembro-me de um grande churrasco, com toda a família, numa churrasqueira que era quase uma praça, ao lado de um açude em nossa fazenda. Foi um belo churrasco, e toda a família se divertiu. Mas, o velho Lyca não ficou confinado ao churrasco. Realmente, esta que agora virá é uma das minhas memórias mais incrivelmente nítidas.

Despedindo-se daquela que um dia havia sido sua profissão, o velho Lyca foi na maternidade de porcos que nós tínhamos na fazenda. Lembro-me que papai mostrou-lhe toda a fazenda, mas lá uma coisa destacou-se especialmente. Papai ajudou seu Lyca a cortar as orelhas de um leitão que havia acabado de nascer. Isso foi feito com uma tesoura cirúrgica que, apenas agora, nesse exato momento, percebi o porquê de meu pai ter até mesmo um certo luxo com ela. Essa tesoura está aqui, agora, ao meu lado, e só agora percebi ser ela uma das coadjuvantes dessa minha bela memória. Meu avô, vejo-o agora nessa tesoura.

Mas esse corte da orelha do leitão foi especialmente marcante não pelo procedimento em si, mas sim pelo contraste presente. Ali estava, o meu avô, que em poucas horas haveria de morrer, segurando um ser que há poucas horas havia nascido. A pele rósea e macia do pequeno leitão em contato com a pele ressecada e embrutecida de meu envelhecido avô. Aquele que logo seria nada, segurando aquele que há pouco, nada era. No momento esse contraste de velho e novo já havia me marcado. Mas, horas mais tarde o contraste entre o feto e o cadáver havia se tornado indelével.

A família se retirou da fazendo aproximadamente às seis horas da tarde, no cair da noite, se bem me lembro. E aí começa a despedida do Velho Lyca de sua família, exclusivamente. Como sempre era feito, todos se reuniram na sala de televisão bem no fundo da casa. No fundo da sala, duas cadeiras, tronos dispostos lado a lado, onde sentava a realeza. Seu Lyca sentava lado a lado com Dona Wanda, ambos desfrutando de sua família. Encarnando a corte, estavam os mais velhos sentados pelos vários sofás e cadeiras da sala, conversando entre si e vendo televisão, claro que ocasionalmente também repreendendo uma ou outra criança que estava sendo mais barulhenta no momento. Os adultos meio que cercavam as crianças, estando ambos do meio para o fim da sala, os adultos juntos às paredes e as crianças brincando no chão, como plebeus que eram. Na frente da sala, em completa comunhão com a televisão, estavam os adolescentes, verdadeiros representantes de uma nova geração que divorciava-se das tradições. Aproximadamente duas horas e meia assim se passaram.

Depois, Dona Wanda foi servir o jantar, servido na própria cozinha, já que os que iriam tomar tal refeição naquele momento eram de número reduzido, apenas uns quatro iriam tomá-la naquele momento. Seu Lyca estava entre estes. Assim que estava pronta a refeição, ele tomou-a, e logo depois, falou que não estava se sentindo muito bem e foi se deitar. Deitou-se e faleceu. Meu pai ainda tentou fazer algum tipo de massagem cardíaca nele, mas sua mãe o esperava. Após despedir-se de tudo que havia marcado a sua vida, juntou-se àquela que a vida lhe deu.

Acho que jamais conseguirei pensar numa melhor maneira de morrer. Após uma vida intensa, conturbada, batalhada e multifacetada, o Velho Lyca ainda teve a bênção de morrer de uma maneira pacata e simples. Uma vida incrível, uma morte sublime. Tal foi o memorável destino desta lenda da família.

Caros leitores, ficamos por aqui hoje. Mas, sinto-me compelido a ainda dar alguns detalhes e curiosidades da vida deste magnífico homem. Fiquem tranqüilos, apresentarei-lhes todas essas nuances, diluindo-as nos posts seguintes.

Desculpem-me pelo imenso post.



quarta-feira, setembro 08, 2004

Vamos para o Quinto

Passemos então ao ramo mais conturbado, hilário e populoso da família.
Conosco, os intrépidos Lycariões !

A origem mais remota que eu tenho, com certeza desse nome, é do meu avô, Lecticio Luiz Lycarião.

Lecticio Luiz Lycarião. "O homem dos três L", como era conhecido nos jornais varginhenses. Neles ele era figurinha fácil. Mas, vamos ser mais cronológicos.

Meu avô nasceu na Paraíba, e quase nada sei de sua infância. Pelo o que me consta, parece que saiu de casa aos 13 anos de idade. Sei que pouco depois disso entrou em uma escola de aviação, dirigida por um francês. Aqui começa a sua saga como aviador e aventureiro.

Em tal escola Lecticio aprendeu a pilotar aviões, e, pelo o que sei, foi onde matou alguém pela primeira vez. O caso é que os aviões, não sei como, para funcionarem deviam queimar um pouco de éter, o que fazia com que o piloto estivesse nas nuvens sem nem mesmo precisar decolar. Claro que essa decolagem precoce era um grande risco para os pilotos, e também para os instrutores. Meu avô, cansado dessa situação, foi reclamar com o francês que dirigia a escola. Não sei como ele conseguiu isso, mas no decorrer da conversa, o francês acabou sacando sua arma de fogo. Só o meu avô saiu da sala com os próprios pés.

Logo após esse incidente, não sei o que ocorreu, mas sei que a próxima parte de sua vida da qual tenho conhecimento deu-se na revolução de 30. Meu avô, que viveu a maior parte da vida em Minas Gerais, lutou por São Paulo. Ou seja, ele estava guerreando contra o Estado no qual acabaria por se assentar. Tudo bem, até aí nada demais. Aqui, utilizando-se dos conhecimentos obtidos na escola de aviação que pertencia ao francês, tornou-se piloto e executou várias missões de bombardeio.

Muito tempo depois, já quando era velho, conversou com um irmão seu sobre esse conflito. Trocando informações, sobre suas participações nas batalhas, os dois viram logo que lutaram em lados opostos. E, em armas opostas. Meu avô como piloto, seu irmão como soldado de infantaria.
Em dado momento, o irmão de meu avô comentou sobre um ataque que ele tinha sofrido por aviões. Previsível não ? Um dos pilotos desses aviões era exatamente meu avô. Portanto, que mal havia em ele lutar contra o Estado no qual viveria ? Por pouco ele não matou o próprio irmão.

Neste mesmo conflito esse meu aventureiro avô ficou muito amigo de um Paraguaio. E, assim que as coisas acalmaram, estourou no Paraguai a Guerra do Chaco. Claro, meu avô foi para lá. Como voluntário. Aqui, não sei como foram as coisas e nem quem ele tentou matar, apenas sei que ele conheceu um americano. E, ficando amigo do mesmo, com a pacificação ele foi para os EUA. Acho que para Boston, mas não garanto. Nada sei do que ele fez lá, apenas sei de quando ele volta para o Brasil, mais especificamente, Ouro Fino.

Aqui, se bem me lembro, ele já está casado com Wanda Bueno. E, se não me engano até mesmo já contam com um moleque na casa, José Damião. Maiores detalhes seguirão.

Pouco sei do que ele lá aprontou, mas sei que novamente, de lá ele saiu fugido. Isso exatamente por já ser essa época a mesma da Segunda Guerra, e, o ramo Lycarião sempre teve uma queda por regimes autoritários. Essa é fácil né ? Sim, o Seu Lyca era simpatizante de Hitler. Lembro-me de que o motivo principal de sua saída de lá foi causado por tais gostos. Certo dia, durante a noite, pixaram uma suástica no muro da casa onde ele morava com minha vó. Tendo os dois um filho, a preocupação foi grande, e, outros ares foram respirar.

E assim o fundador do ramo varginhense do clã Lycarião chega àquela que será minha cidade natal. Aqui eles se estabelecem e toda a família aflora. Seu Lyca e Dona Wanda terão uma boa ninhada, em ordem cronológica terão José Damião, Obededon Antônio,Eurico Rogério, Lecticio Luiz (meu pai) e Wanda Miriam. Isso nos mostra quantos posts serão investidos nessa família, mas, adiante com a história varginhense do homem dos três L.

Aqui Lecticio foi realmente um cidadão exemplar. Muitos duvidam de mim quando digo isso, mas o aeroporto de Varginha foi iniciativa dele. Quem duvidar, vá até lá e olhem o nome do primeiro hangar construído, o do próprio aeroporto, para seu aeroclube. Sim ! Lecticio Luiz Lycarião. Vamos deixar isso já bem claro. Meu avô foi um fanático e um entusiasta por aviões. Praticamente todos os varões da família acabaram tendo essa mesma paixão. Eu sou um confesso, embora tenha que admitir que tal paixão já teve em mim um amante mais fervoroso.

Queridos leitores, infelizmente interromperemos por aqui a saga desse incrível personagem. Não se preocupem, faço questão de contá-lo por inteiro, e exatamente por isso a interrompo. Devo estar no máximo na metade da vida desse grande homem. Portanto, fica a mensagem. Amanhã, veremos ainda mais dessa vida incrível que foi a do homem dos três L.

terça-feira, setembro 07, 2004

E este é meu Quarto.

Daremos prosseguimento à prole do casal Jair e Ede Paiva.
Em ordem cronológica, teríamos como próxima a filha do meio, Brígida Gonçalves Paiva Silva, mas, essa aí é minha mamãe querida (gostaram do momento Quico ?) e, ela terá seu post em separado, quando analisarmos apenas os meus progenitores.
Portanto, hoje veremos a filha mais nova do adorável casal, Luciana Paiva.

Primeiramente, devo falar sobre como a chamo. Sempre a chamei de Dinda, mesmo ela sendo madrinha da minha irmã, e não minha. Quando criança, sempre via minha irmã chamando-a assim, e, simplesmente a imitei. Ignorava completamente que tal forma de chamá-la para mim era inapropriada. Mas, acostumei-me. Portanto, ela aqui sempre será a Dinda.

Tudo bem, então, a Dinda foi a caçula da família. Isso fez com que ela desfrutasse de um tratamento diferenciado, não necessariamente ela foi mais mimada, mas sim mais íntima. Ela foi a filha que mais tempo morou com os pais, e sua relação principalmente com seu pai foi muito mais próxima que aquela desfrutada pelos irmãos. Pode-se dizer que tanto o Tio Renato quanto a mamãe ficaram mais distantes pois ambos eram mais bagunceiros mesmo, e também independentes. Assim, ficaram mais arredios ao contato com os pais.

Porém, com a Dinda não foi assim. Ela deu a sorte de ser a princesa da casa por um bom tempo.
Exatamente por ser mais dócil, não existem muitas peripécias vivenciadas por essa minha querida tia. Infelizmente, as duas histórias que mais se destacam quando penso nela são dois casamentos que deram errado. E aqui, eu realmente tenho que me adiantar e dizer que ela fez tudo que podia por eles. Em ambos, o problema era o marido. Sério, não é só por ser ela minha tia.

Minhas memórias da Dinda não são todas agradáveis. Confesso aqui, como já confessei para ela, que quando eu era mais novo a detestava. Ela era aquele tipo de tia que não tinha a mínima paciência conosco, que qualquer coisa já nos xingava e só não batia para não se indispor com mamãe. Hoje acho que ela tava certa mesmo. Afinal, esse "qualquer coisa" seriam crianças brincando, fazendo muito barulho, e que não raro terminavam a brincadeira chorando. Se fosse comigo, acho que espancava.

Ainda mais novo, uma memória que se destaca é a de um namorado que ela teve. Nem lembro de como ele era ou qualquer coisa parecida. Apenas lembro-me bem de seu nome. Sandoval. Não tenho a mínima idéia da causa, mas sei que quando penso nele, nesse nome, a imagem do Wagner Montes (do corpo de jurados dos programas de calouros do Silvio Santos) sempre me vêm à cabeça.

Sobre os casamentos que deram errado, do primeiro não sei absolutamente nada. Sequer conheci o noivo, e acho que seu nome era João Leite. Mas não garanto nada. Já o segundo, até estive no casamento, fui uma das criancinhas que adentraram à igreja antes dos noivos. Lembro que foi um belo casamento, mas que o sermão do padre foi um verdadeiro e monumental porre.
Não me lembro absolutamente nada do que o padre disse, mas os Paivas disseram ter sido o sermão muito longo e cansativo. Agora, já disse aqui, os Paivas são Católicos fervorosos ! Para eles acharem isso, deve ter sido algo incrivelmente ruim.

Nesse segundo casamento a Dinda se casou com aquele que foi o homem em quem ela deu seu primeiro beijo. Márcio era seu nome. Ainda hoje, após ao menos 4 anos de separação, quando penso nelo penso no "Tio Márcio".
Gostava muito de jogar futebol. Era formado em engenharia, mas achava que o melhor curso possível era odontologia. Tinha descendência alemã, denunciada pelos cabelos loiros (embora ele tivesse uma careca precoce), mas só descobri tal descendência quando conversando com ele, disse-lhe que na Segunda Guerra Mundial deveriam ter matado simplesmente todos os alemães. Ele só respondeu: "Nando, se tivessem feito isso, eu não estaria aqui."
Claro, na hora eu reformulei minhas idéias. E agradeço por isso. Essa foi uma das maiores lições de minha vida, de nunca expressar opiniões exaltadas, e, de preferência, nunca sequer tê-las.

Essa história de matar todos os alemães foi apenas uma das várias coisas estúpidas que eu fiz com o Tio Márcio. Lembro-me quando estávamos nós dois um dia no campestre, e estávamos conversando tranqüilamente, eu estava curioso sobre ele, ele ainda era novo na família, e uma das perguntas que eu fiz a ele foi sobre a idade dele. Acho que ele tinha 33. Tirando a careca precoce já mencionada, ele estava muito bem. Mas, como uma criança estúpida, eu simplesmente soltei exatamente essa frase:
"Tio, você está acabado."
Sim. Exatamente desse jeito. Curto, grosso e sem sal. A resposta, veio muito educada:
"Pô Nando, você realmente acha isso?"
E eu novamente, estúpido:
"Sem dúvida."
Realmente foi impressionante como ele ainda sempre me tratou bem mesmo depois disso.

Não sei muito bem quais foram as reações da Dinda à morte do Vô Jair, mas sei que ela não admite que se fale de qualquer defeito que ele tinha. O casamento com o Tio Márcio ocorreu depois da morte do Vô, e durante o casamento, realmente não tenho muitas memórias da Dinda. Claro, as famílias ficaram meio que "estanques" nesse momento.

Aproximamo-nos mais com o fim desse casamento. Não raro eu passava finais de semana na casa dela então, onde confesso que era tremendamente paparicado. Claro, sempre que havia um convite, ele não era recusado. Nesse momento, a Dinda era uma mulher independente, com várias posses e que só tinha gastos consigo. Por isso mesmo, ela acabava sendo a pessoa que mimava a mim e a minha irmã, dando-nos todo tipo de presentes. Claro, isso fez com que sempre procurássemos atendê-la no que pudêssemos, eu sempre ajudava-a com quaisquer coisas referentes a computadores.

Atualmente, a Dinda está ficando cada vez mais realizada. Faz muitas viagens, é completamente independente, está cursando com afinco uma faculdade. Isso tudo mantendo-se sempre com um ótimo padrão de vida, e também sempre ajudando a todos que possa. Sua presença na minha vida e na de minha irmã é cada vez maior, assim como sua proximidade com nossa família.
O fato de ela estar cursando uma faculdade é particularmente bom. Infelizmente ela nunca confiou em si mesma intelectualmente. Ainda hoje ela ainda tem alguns surtos, onde ela crê plenamente ser eu mais culto que ela. Lembro-me quando ela me fazia perguntas sobre Marx. Achei aquilo simplesmente incrível ! Ela tinha lido um livro interpretativo de O Capital. Eu não tinha lido nem isso, tampouco o manifesto comunista inteiro.

Ainda bem que atualmente ela está cada vez mais confiante em si mesma, e sem nunca ficar convencida. Isso é algo simplesmente admirável. Devo dizer que ela é realmente um dos parentes por quem eu mais nutro admiração e gratidão. Desejo muito que ela seja uma pessoa cada vez mais realizada e feliz. E até posso dizer que ela o será, pois é esse o caminho que ela está trilhando.

Minha família é simplesmente incrível mesmo. Todos são grandes vencedores, e não raro eles acham que eu é que sou o foda lá. Acho que logo eles perceberão que sou o mais medíocre de todos.

E amanhã meus caros, começaremos a olhar a Família Lycarião. Preparem-se. Muitas são as histórias desse ramo da família.

segunda-feira, setembro 06, 2004

O Terceiro se apresenta

Como prometido, hoje iremos dar uma olhada nos filhos do casal Jair e Ede Paiva.
Relembrando, ei-los: Renato, Brígida e Luciana.

Para poder me ater com mais detalhes a cada um, apresentarei-lhes cada um em seu devido post.

Renato, o mais velho dos três, que para mim sempre foi Tio Renato, é um dos personagens mais reclusos do clan Paiva. Devo dizer também ser ele um dos homens mais refinados, inteligentes e cultos que já vi na minha vida.
Confesso não saber muitas coisas da vida dele quando menor, tampouco de como foi ele educado, mas sei dele algumas histórias e também por ter não raro se destacadao como uma criança e um jovem "capeta".
Quando criança, sempre fazia muita bagunça em casa, mas quando alguma coisa desandava, conseguia se safar graças à bondade das irmãs. Sei que algumas vezes sua irmã Brígida assumia a culpa por um vaso quebrado ou algo parecido. Como prêmio, ela ganhava palmadas.
Quando jovem, sei algumas histórias boas dele. Algumas trágicas, outras engraçadas. Uma que ele me contou foi um dia, quando estava em uma moto, e, ao desviar de um carro que vinha pela rua, não conseguiu desviar do muro que estava ao lado dessa mesma rua. Foi uma batida bonita. Ele foi de cara no muro, mas, por sorte, nada de muito grave lhe aconteceu. Assim que caiu em virtude da batida, levantou-se, pegou sua moto, e foi embora para casa. Em sua juventude, era unha e carne com um determinado amigo, lembro dele me dizer que sua intimidade com tal amigo era digna de ser comparada com a de Beavis & Butt-Head. Não, nenhum dos dois era idiota, tampouco odiado por aqueles que os cercavam. Referia-se apenas ao aspecto de melhores amigos mesmo. Os dois costumavam tocar algumas múscias juntos inclusive, sendo que uma das bandas preferidas da dupla era a banda KISS, tenho a sorte de ter o mesmo bom gosto. Infelizmente, trouxe esse relacionamento à tona para poder justamente falar de um dos acontecimentos mais trágicos da vida desse meu querido tio. Não conheço bem as circunstâncias tampouco detalhes, mas sei que um dia, estavam os dois em um carro conduzido pelo Tio Renato. Fatidicamente, meu tio perdeu o controle do carro e, se bem me lembro, o mesmo caiu em um rio. Nenhum mal físico grave acometeu meu tio. Infelizmente, seu melhor amigo morreu no acidente.
Não posso sequer imaginar o tanto que tal acontecimento pode tê-lo atormentado. Só sei que deve ter sido uma das maiores dores de toda a sua vida. Me lembro ainda hoje de qudno ele me disse sobre esse seu amigo, comparando a amizade deles com a do Beavis & Butt-Head. Poucas vezes vi e senti uma expressão e uma atmosfera tão pesadas e tristes. Realmente acho que essa deve ter sido a experiência mais impactante de toda a sua vida.
Claro, as únicas lembranças que tenho dele são aquelas que representam-no já adulto, e nelas agora adentramos.

Sempre o vi como uma pessoa que sempre me deu muita atenção, que gostava de mim, e também até mesmo me admirava, achando-me sempre uma boa "promessa".
Para mim ele foi acima de tudo um Mestre. Ensinou-me muitas coisas. Entre elas, a jogar xadrez, a ser uma pessoa mais racional, a misturar cervejas claras e escuras, a sempre tentar reinterpretar as palavras, gestos, e atos de uma mulher. E isso tudo diretamente, explicando-me didaticamente e diretamente. Muitas outras foram as lições que indiretamente eu tive através dele.
Como já foi dito, é uma figura distante da família Paiva. Não raro não aparece em algumas reuniões ou festividades familiares, seja por iniciativa própria ou por desistência da família de chamá-lo. Mas atentem ! Isso não significa dizer não ter ele uma vida social ativa ou pacata. Para o bem da verdade, sou forçado a dizer que ele tem algumas das mais incríveis histórias que já foram vivenciadas por qualquer um da família.
Também sempre o vi como um conquistador. Embora não lembre de muitas namoradas dele, (que eu me lembre foram 3) sei muto bem que ele já possuiu muitas mulheres.
Sem dúvida, a que eu mais lembro foi sua namorada Maria das Graças. A "Tia" Maria das Graças. Foram mais de 10 anos de relacionamento que eles tiveram. Sempre invejei tal namoro. Afinal, meu Tio Renato é de escorpião, e, a Maria das Graças é taurina. Aqueles que entendem de horóscopo sabe o que isso significa. São signos contrários, para eles, ou paixão intensa, ou ódio absoluto. Imaginem agora que coisa mais maravilhosa não deve ser um relacionamento desses ?

Atualmente ele deve estar com os seus 47, 45 anos. Ainda hoje é solteiro, e sinceramente, acho que é um dos melhores partidos que uma mulher possa desejar. Tudo bem, quase 30 anos vivendo sozinho fez com que ele se acostumasse às coisas do seu jeito, o que pode ser pouco saudável para um relacionamento. Mas, isso é pouco diante do que sua eleita irá encontrar.
Garanto que encontrará um incrível amante, assim como um belo companheiro e interlocutor. Para os filhos, tenho certeza que será um bom pai, afetuoso e atencioso. Mas com pouca paciência para birras e um tanto severo.

Bom, assim vejo meu Tio Renato.
Figura lendária para mim, grande homem que teve uma vida incrivelmente intensa.
Um excelso padrinho, que mesmo sendo distante, foi um dos meus maiores Mestres.

domingo, setembro 05, 2004

Adentramos ao segundo

Como não sou nenhum Machado de Assis, começarei pelo princípio. Falarei antes sobre os defuntos que de alguma maneira são meus autores.
Sim, começarei pelos meus antepassados.

Hoje, conosco, a família Paiva.

Infelizmente sei bem menos do que gostaria.

O meu Paiva vem do meu avô, Jair Paiva, casado com minha avô, Ede.
(só agora percebi que não sei o nome deles inteiros !)
Os dois tiveram três filhos, o mais velho, o único homem, e meu padrinho, Renato Paiva. A do meio, minha mãe, Brígida Gonçalves Paiva e Silva, e a mais nova, madrinha de minha irmã, Luciana Paiva.

Meu avô, Jair Paiva, foi um homem incrível. Nasceu pobre, lembro que me contaram que ele foi criado praticamente embaixo do balcão do açougue em que minha bisavó trabalhava, se bem me lembro.
Ficando mais velho, trabalhou como caminhoneiro. Incessantemente, tanto é que depois acabou fundando sua própria empresa de transportes, chamada "Trans Paiva". Lá ele construiu praticamente tudo que minha família tem ainda hoje.
Acabou sendo por isso o modelo perfeito do "Self-Made man" capitalista. Infelizmente, também incorporou outros aspectos nada bons de um homem capitalista. Vivia para trabalhar, o que infelizmente fez com que seu intelecto se limitasse às suas atividades.
Dessa maneira, era facilmente manipulado pela moral e costumes vigentes, sempre tentando seguir os padrões comportamentais tidos como bons pela sociedade. E também exigia tal comportamento da família inteira.
Contudo, era um homem incrível, sempre amou muito todos os familiares, mesmo raramente demonstrando. Se cometia alguma barbaridade com algum deles era simplesmente pelo fato de se ver obrigado a cometer tal barbaridade segundo a moral vigente, que realmente o aprisionou.
Ele morreu quando eu tinha 6 anos, quando eu estava me recuperando de uma fratura exposta na perna esquerda.
Devo confessar que amei poucas pessoas tanto quanto eu o amei. Adorava ele. Sempre com um sorriso na cara, um chocolate na gaveta e com uma barriga enorme, acabou concretizando em mim a imagem do gordo gente boa, bonachão e alegre. Quero ser um avô igual a ele.
Infelizmente, teve problemas no coração na década de 80, e após uma cirurgia feita por causa desses males cardíacos, teve problemas psicológicos. Disseram-me que desde essa cirurgia ele tinha crises maníaco-depressivas. Em 1990, eu estava numa cama na casa da vô Ede, me recuperando da perna quebrada quando eu vi a Dinda (Luciana) correndo pelo corredor:
"Tem sangue na cabeça do pai."
Ela havia acabado de receber a notícia. Meu avô tinha dado um tiro em sua própria cabeça.
Três dias depois ele faleceu.

Minha avó Ede, a Vó Ede, foi durante muito tempo submetida ao papel de dona de casa pelo meu avô. Na verdade, só pode sair desse papel quando ele morreu. Como disse anteriormente, ele era preso aos padrões morais e aos costumes vigentes, e, infelizmente, eles ditavam que mulheres não podiam trabalhar.
Isso não significa que ela nunca trabalhou. Antes de ela se casar com meu vô, ela era cabeleleira, e até trabalhou ainda um pouco depois do casamento, mas logo a pressão de meu avô a forçou a abandonar o trabalho.
Então, ela realmente assumiu o papel de dona de casa. Tornou-se uma exímia costureira e cozinheira. Ela realmente amava meu avô, por isso acha que ela aceitou renunciar ao seu antigo estilo de vida.
Infelizmente, como meu avô era um workaholic, não raro ela ficava várias noites sozinhas, o que a fez sofrer muito. Mas, ela passou por tudo isso sem nunca trair ou ser traída por meu avô. Como disse, os dois se gostavam mesmo. Não haveria espaço para isso.
Educadora severa, quando os filhos brigavam ela separava de início, e depois, levando-os para um lugar devidamente vazio, mandava que se engalfinhassem. Claro, nessa hora, eles sempre se acovardavam.
Com a morte de meu avô ela sofreu muito, mas, acabou por se tonar uma pessoa mais independente e até mesmo realizada. Lembro que ela trabalhou com uma confecção uma época, mas, não lembro qual foi o fim do empreendimento. Depois disso ela passou a se dedicar à trabalhos voluntários, ajudando doentes no centro de oncologia de Varginha e passou a ser ainda mais ativa nas igrejas que freqüentava. Vale dizer, toda a família Paiva é fervorosamente católica. Tanto é, que uma das coisas que sempre mais me fascinou foi a coleção de Santos que a Vó Ede tem. Mesmo eu sendo ateu, acho-a maravilhosa.
Hoje, ela praticamente está com essa mesma agenda. É Ministra da Eucaristia na igreja do Hospital Bom Pastor em Varginha, e não raro faz trabalhos voluntários.

Tenho um enorme orgulho de ambos.
Amanhã, caros leitores, daremos uma olhada nos pimpolhos desse adorável casal.