segunda-feira, setembro 20, 2004

Décimo, como o mandamento.

Que dobrem os sinos, pois Seu Bida aproxima-se do Campestre !

(Coloquem-se aqui quaisquer efeitos de flashback ou edição possíveis, assim como a voz de algum narrador familiar dizendo "no último capítulo...", e se quiserem saber o último capítulo leiam abaixo. Eu já o fiz e tá imenso.)

Pois bem. Em algum lugar dos 5 km que separam o Campestre do centro de Varginha, estava um Passat azul dirigindo-se rapidamente ao referido clube. Em sua direção, um oficial Lycarião esbravejava pela libertinagem de seus subordinados. Sabia que acabaria por encontrar uma terra-de-ninguém, devastada por enfrentamentos recentes. O oficial, Seu Bida, só não sabia quão grave havia sido a brincadeira de seus homens.

Lá chegando, viu um punhado de novatos, todos eles totalmente verdes. Exceto alguns que estavam brancos de pavor e nosso heróico comandante, Gui, que já devia estar amarelo devido ao sofrimento pelo qual seu fígado passava. As ordens foram poucas e ríspidas. Apenas entramos no carro e fomos embora. Pensávamos estar rumo à felicidade de nossa base, podendo finalmente esquecer a terrível batalha.

Porém, não era esse o desejo de nosso oficial. Seu Bida esbravejava, não nos dava qualquer crédito pela batalha, não elencava qualquer condecoração futura. Tal era sua indignação, que se fosse possível ele implantaria uma corte marcial ali mesmo. E provavelmente sem direito de defesa. Não me lembro de quaisquer cortes, mas lembro-me de repetidos cascudos que ele dava em nosso comandante, que sequer esboçava alguma reação. Na verdade, parecia que ele sequer sentia as repetidas pancadas. Elas se ofuscavam face ao estado deprimente em que suas vísceras se encontravam.

As Valkyrias ainda batalhavam contra Gui, mesmo estando elas já em seu estômago. Gui nesse momento já havia provado sua hombridade e garantido seu lugar no Valhalla. Parou de lutar assim que chegamos à casa de Vó Wanda. Ainda dentro do lendário Passat expulsou de seu corpo o remanescente das forças inimigas. O mais intrigante, é que ao ver aquele sangue dourado que fora protegido por couraças de bronze, Seu Bida não se admirou da valentia de seu filho, mas ficou ainda mais indignado, redobrando a frequência e o vigor dos xingamentos contra nosso líder.

Tal comportamento era no mínimo paradoxal, já que estávamos sempre acostumados a ver um tratamento digno de heróis ser dispensado àqueles que se destacavam nas guerras alcóolicas. Não necessariamente no seio de nossa família, mas principalmente na própria sociedade, que sempre celebrava um esvaziamento impetuoso e eficaz das Valkyrias, vendo como um verdadeiro campeão aquele que apenas cessava de combater quando estava em estado de choque, ou sendo apenas passível de salvação através de uma grande ampola de glicose.

Sem dúvida, essa foi a maior lição que aprendi naquele dia. Gui se tornou exatamente o campeão que toda a sociedade desejava, mas assim que viram o que seus desejos causavam, não fizeram um mea culpa. Apenas atacaram aquilo que eles mesmos haviam construído. A hipocrisia e o descomprometimento estavam patentes naquele caso. Gui era o herói da tarde, e exatamente por isso, o vilão da semana. Infelizmente apenas ele teve uma ressaca, tanto orgânica quanto moral. A sociedade sequer reconhecia seus erros. Continua a mesma ainda hoje. Mas, isso podemos remediar facilmente. Tomemos uma Antartica, a Juliana Paes cairá dos ceús em nosso colo e seremos para sempre saudáveis, felizes, invejados e bem relacionados.

Agora lhes contarei sobre um Lycarião que é dos mais carrancudos, amáveis e afetuosos, além de ser sem dúvida um dos mais preocupados com toda a família. Leonardo, filho do meio do casal Seu Bida e Daça.

Primeiramente, na família sempre foi o Leo, mas também é conhecido por Leopardo, Hans, Lyca, Floyder e ainda outros apelidos. Sem dúvida é um dos mais amados por toda família, exatamente pela preocupação e amor que ele dispensa a todos indistintamente. Vale dizer que quanto a essa preocupação e amor, ele é sem dúvida o Lycarião que mais os demonstra. Porém, ninguém nunca falaria ser ele esse poço de bondade.

Até mesmo em suas fotos mais antigas, quando ainda era bem criancinha, ele já tinha uma cara extremamente brava e carrancuda. Aquela típica cara de mau-humor. E essa aparência nada amigável se manteve praticamente inalterada. Tanto é que, na UFMG, onde cursou veterinária, era conhecido pelo dócil apelido de "Hans". Não é uma alusão a quaisquer raízes alemãs que ele não tenha, ou sotaques ou qualquer coisa parecida. Tal apelido nada mais é que uma contração de ranzinza, que é a aparência que ele sempre demonstra.

Claro, ele não é só flores. É um dos Lycariões que mais xinga, e olhem que Lycariões gostam de xingos, em alto e bom som. Sem dúvida alguma, é exatamente aí que Leo mostra sua grande veia cômica. Quando ele começa a xingar ou reclamar, a sua cara fica completamente justificada. Suas reclamações são revestidas de uma revolta interior ilimatada, de uma raiva incontida, e de um claro desejo de encher o saco daquele que fez com que ele xingasse e fazer rir aqueles que não tiveram culpa dos xingamentos.

E como são sonoros seus xingamentos. Mesmo normalmente sendo uma pessoa dócil e de fala mansa, para xingar, ele tem um "know-how" no mínimo peculiar. Um "filho da puta" jamais é falado por ele, mas sim proclamado ou melhor ainda, declamado. Lembro-me de um dia em particular que mostra bem essa veia desse meu querido primo.

Eu já estava morando aqui em Bh, e um dia, estava na casa de Seu Bida, mas demos uma volta para fazer compras se bem me lembro, eu, Leo, e o próprio Gui. Salvo engano, Dudu, o terceiro filho da família, não estava conosco. O fato é que Leo já estava com fome há um bom tempo, e Gui resolveu parar um pouco o carro, apenas para levar algo até o apartamento de uma amiga sua, já que havíamos parado em frente ao seu prédio.

Leo não parava de reclamar, mandando sucessivas vezes o Gui tomar no cú, chamando-o de filho da puta, que iria dar uns cascudos nele, que queria almoçar logo, que estava com fome, e isso se prolongou praticamente por todo o tempo no qual ficamos parados em frente ao prédio dessa amiga do Gui. Quando Gui voltou, uns 10 ou 20 minutos depois, Leo já estava deitado no banco de trás do carro, olhando para o céu e reclamando consigo mesmo, da maneira hilária que apenas um bom mau-humorado consegue.

Assim que viu Gui se aproximar do carro, sentou-se e gritou, em alto e bom som:
"Guilherme seu filho da puta ! Eu tou com fome caralho !"
Gui ignora e continua a se aproximar.
"Você acha que eu sou uma porra dum boneco que não sente fome ?"
Gui entra no carro.
"Tou te esperando tem meia hora cacete ! Anda logo e vamo embora pra casa que eu quero comer alguma coisa, seu merda !"
Gui dá a partida e vamos embora, atendendo o pedido de Leo. Diz apenas uma coisa:
"Agora pára de me encher o saco, sua bichinha."
Leo fica xingando e falando ser um ser humano, não um boneco, até chegarmos para o almoço.

Essa história ilustra bem como é o Leo, daqueles que reclama por prazer, principalmente o prazer de ver alguém rir dele reclamando. Na história acima, eu fiquei me matando de rir enquanto o Leo ficava falando na orelha de Gui, que o ignorava solenemente, exatamente por saber ser aquilo nada mais que um artifício humorístico. Agora, tenho que dizer que Leo sabe quando esse humor é apreciado, jamais dizendo um palavrão quando perto de algum familiar mais conservador, sempre respeitando o mesmo. Até mesmo sendo extremamente respeitoso, como nenhum outro da família, em minha opinião.

Ultimamente suas maiores paixões tem sido a própria veterinária, na qual se formou ano passado se bem me lembro, e também músicas. Sua banda preferida sem dúvida alguma é Pink Floyd, tanto é que sábado no show do Digão, Leo era pessoa recorrente em minha memória.
Infelizmente, como vocês já devem ter percebido ser comum, estou um tanto distante dele, assim como de toda essa família, mesmo que nós atualmente moremos na mesma cidade, minha apatia é obstáculo quase intransponível, que dificulta uma aproximação duradoura entre nós.

Amanhã (leia-se: no próximo post), falarei-lhes do caçula dessa família, um dos meus primos mais queridos, e sem dúvida aquele que mais se destacou em minha vida, principalmente na infância. Eduardo, meu querido Dudu.

Peço desculpas por não ter feito um post tão excelso quanto o último, que acho ter sido meu melhor até agora. Abraços, meus leitores.

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